sexta-feira, 28 de maio de 2010

A Construção do Estado Ateísta

Autor: Antonio Vides Júnior
Fonte: Sociedade da Terra Redonda


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A Construção do Estado Ateísta




“Era uma vez um casal de ateus que tinha uma filha de seis anos. Um dia, durante uma briga,
o marido matou a mulher e depois se matou com um tiro na cabeça, tudo na frente da criança...”

Não importa como continua a história. Nós, ateus, conhecemos a sua moral. Fomos criados sob esses preconceitos. A maior parte de nós não nasceu ateísta nem teve pais ateus, ao contrário da infeliz historinha acima. Nascemos na maior nação cristã do mundo, somos batizados e sabemos o pai-nosso (com minúscula mesmo) de cor.

A moral cristã é impiedosa com os ateus. Nossa imagem não goza de status social e, invariavelmente, somos considerados estranhos e pecaminosos. É a nossa herança. Revoltadas, legiões de ateus se formam para proclamar sua aversão aos preceitos cristãos e da Igreja. O que é isso? Guerra?

A crença no além está enraizada na sociedade. Não podemos odiar aqueles que crêem. Estaremos odiando nossos pais e irmãos. “Mas como vamos combater esse preconceito com a nossa filosofia?” perguntarão alguns. Não vamos. Em vez disso, vamos encarar o problema de frente e mostrar a eles que nossa filosofia é, antes de tudo, baseada na humildade.

É difícil ser ateu. Encaramos a morte com olhos aterrorizados. A despeito de todos saberem que ela é inevitável, nós a encaramos como o fim de tudo. Não esperamos nada do além-túmulo. Não estamos indo ao encontro a deus ou a eternidade. Quando nos apaixonamos, não esperamos viver no paraíso ao lado de nossas esposas ou maridos. Tornar-se-á célebre a frase de Ann Druyan, viúva de Carl Sagan, um dos ateus mais respeitáveis dessa geração, ao falar da despedida do marido, no leito de morte: “Nenhum apelo a Deus, nenhuma esperança sobre uma vida pós-morte, nenhuma pretensão que ele e eu, que fomos inseparáveis por vinte anos, não estávamos dizendo adeus para sempre.” São palavras terríveis, mas sabemos que são verdade. Sabemos. A consciência ateísta, quando surge, nos eleva a uma percepção única. Passamos a enxergar a vida como a areia da ampulheta, que escorre inexoravelmente pela fenda. Não importa o quão correta tenha sido sua vida, no fim, a morte reina absoluta.

“Pessimista!”, gritam alguns frente a estas verdades. Já estamos acostumados. Somos ateus, percebemos nossa limitação. Somos feitos de carne e osso. Dúvidas quanto a isso? Cientistas já decifraram o código genético, não temos mais segredos. Até agora, nem sinal de um espírito. Estamos vazios.

Ora, retire do cristão a promessa da vida eterna. De que adiantaria, então, seguir os passos do Senhor? A religião está impregnada da relação oferta-procura: “Eu sou bonzinho, o Senhor me dá a vida eterna. Sou humilde, por isso viverei para sempre”. Se a promessa da vida eterna fosse arrancada do Homem, este se revoltaria contra deus. Viveríamos num universo burlesco e trágico, onde os crentes tornar-se-iam os ateus da historinha acima. Ainda assim, é difícil afirmar que a crença em Deus está associada à ignorância. Conheço pessoas bastante inteligentes de todas as religiões. A questão é mais profunda do que isso. Está ligada ao resto de instinto de sobrevivência que temos.

Nossos ancestrais hominídeos eram caçados por animais maiores. Quase sempre, a morte era sangrenta e violenta. Desenvolvemos um medo natural por ela. Tínhamos medo de muitas coisas. Tínhamos medo da escuridão quando o Sol morria no horizonte ou quando as montanhas rugiam, soltando fumaça. Divinizamos aqueles fenômenos, não podíamos explicá-los, pois éramos pouco mais que macacos enormes e desengonçados, aprendendo a explorar suas potencialidades. Chorávamos quando tínhamos que abandonar um membro doente na migração do inverno ou quando nossos velhos eram expulsos da aldeia por não servirem mais ao trabalho. Não havia enterros e, talvez, nem piedade.

Estabelecemos morada para os deuses no alto das montanhas e no fundo do mar. Quando subimos ao cume das montanhas e cruzamos o oceano em toscos barcos de junco, empurramos os deuses para outras esferas. Nossos aviões nunca atropelaram um anjo, nunca encontramos um par de chifres enterrados no quintal de casa. Arrebatados para o “céu” ou o inferno, os deuses nunca mais foram acessíveis. Hoje, são vistos apenas em igrejas, por um número seletíssimo de escolhidos que têm a sorte de ver, mas nunca a chance de registrar.

Com o surgimento da tecnologia, tornaram-se fontes de luz ou sombras, receberam explicações espirituais complicadas e teorias esotéricas profundas e claras como um bueiro. Não precisamos disso. A humanidade tem criado seus pesadelos, mas também tem realizado sonhos sociais, materiais, divinos. Cientistas, no século XX, fizeram mais pela Humanidade (esta sim, com maiúscula) que deus fez em toda sua história. Empurramos a presença de deus cada vez mais para o fundo do poço. Não rezamos mais para curar as doenças. O papel de deus diminui a olhos vistos. Aprendemos a creditar nossos problemas à nossa incompetência ou ignorância, já não existem demônios a assombrar nossos feitos.

Essa é a verdadeira essência da humildade. Sabermos nosso papel na história do desenvolvimento humano, a consciência do fim cada vez mais próximo. A semelhança entre o Homem e o peixinho que ele cria no aquário é de 98% em ordem genética. Não há divindade no nosso nascimento, não há milagres no cotidiano.

A revelação da humildade chega ao ateu quando este encara, pela primeira vez, a inigualável sensação de livrar-se da culpa da religião, do pecado natural. Não precisamos de religião para aprender a humildade. Quando encaramos nossas limitações, ela surge naturalmente. Ficamos assombrados pela nossa ignorância e pela impotência frente a todo conhecimento. Aprendemos que até o matuto tem a nos ensinar.

Talvez a religião ainda seja um mal necessário. Quando deixarmos de ser julgados pelos crentes, talvez possamos expor nossas idéias com clareza. Neste dia, a humildade poderá florescer entre os homens, fundamentada em princípios humanos, e não em fantasias envolvendo deuses e demônios. Será um tempo, então, onde todos poderão considerar-se irmãos, pois ninguém esperará mais da vida do que seu semelhante.



Sobre o autor: Jornalista e assessor de Imprensa na Grube e Associados. Nascido em 1971, há doze anos estuda o ateísmo.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

10 mitos – e 10 verdades – sobre o Ateísmo

10 mitos - e 10 verdades - sobre o Ateísmo



Autor: Sam Harris
Tradução: Alenônimo
Fonte: Ateus do Brasil
Original: 10 myths – and 10 Truths – About Atheism


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Várias pesquisas indicam que o termo “ateísmo” tornou-se tão estigmatizado nos EUA que ser ateu virou um total impedimento para uma carreira política (de um jeito que sendo negro, muçulmano ou homossexual não é). De acordo com uma pesquisa recente da revista Newsweek, apenas 37% dos americanos votariam num ateu qualificado para o cargo de presidente.

Ateus geralmente são tidos como intolerantes, imorais, deprimidos, cegos para a beleza da natureza e dogmaticamente fechados para a evidência do sobrenatural.

Até mesmo John Locke, um dos maiores patricarcas do Iluminismo, acreditava que o ateísmo “não deveria ser tolerado”porque, ele disse, “as promessas, os pactos e os juramentos, que são os vínculos da sociedade humana, para um ateu não podem ter segurança ou santidade.”

Isso foi a mais de 300 anos. Mas nos Estados Unidos hoje, pouca coisa parece ter mudado. Impressionantes 87% da população americana alegam “nunca duvidar” da existência de Deus; menos de 10% se identificam como ateus – e suas reputações parecem estar deteriorando.

Tendo em vista que sabemos que os ateus figuram entre as pessoas mais inteligentes e cientificamente alfabetizadas em qualquer sociedade, é importante derrubarmos os mitos que os impedem de participar mais ativamente do nosso discurso nacional.



1) Ateus acreditam que a vida não tem sentido.

Pelo contrário: são os religiosos que se preocupam freqüentemente com a falta de sentido na vida e imaginam que ela só pode ser redimida pela promessa da felicidade eterna além da vida. Ateus tendem a ser bastante seguros quanto ao valor da vida. A vida é imbuída de sentido ao ser vivida de modo real e completo. Nossas relações com aqueles que amamos têm sentido agora; não precisam durar para sempre para tê-lo. Ateus tendem a achar que este medo da insignificância é... bem... insignificante.



2) Ateus são responsáveis pelos maiores crimes da história da humanidade.

Pessoas de fé geralmente alegam que os crimes de Hitler, Stalin, Mao e Pol Pot foram produtos inevitáveis da descrença. O problema com o fascismo e o comunismo, entretanto, não é que eles eram críticos demais da religião; o problema é que eles era muito parecidos com religiões. Tais regimes eram dogmáticos ao extremo e geralmente originam cultos a personalidades que são indistinguíveis da adoração religiosa. Auschwitz, o gulag e os campos de extermínio não são exemplos do que acontece quando humanos rejeitam os dogmas religiosos; são exemplos de dogmas políticos, raciais e nacionalistas andando à solta. Não houve nenhuma sociedade na história humana que tenha sofrido porque seu povo ficou racional demais.



3) Ateus são dogmáticos.

Judeus, cristãos e muçulmanos afirmam que suas escrituras eram tão prescientes das necessidades humanas que só poderiam ter sido registradas sob orientação de uma divindade onisciente. Um ateu é simplesmente uma pessoa que considerou esta afirmação, leu os livros e descobriu que ela é ridícula. Não é preciso ter fé ou ser dogmático para rejeitar crenças religiosas infundadas. Como disse o historiador Stephen Henry Roberts (1901-71) uma vez: “Afirmo que ambos somos ateus. Apenas acredito num deus a menos que você. Quando você entender por que rejeita todos os outros deuses possíveis, entenderá por que rejeito o seu”.



4) Ateus acham que tudo no universo surgiu por acaso.

Ninguém sabe como ou por que o universo surgiu. Aliás, não está inteiramente claro se nós podemos falar coerentemente sobre o “começo” ou “criação” do universo, pois essas idéias invocam o conceito de tempo, e estamos falando sobre o surgimento do próprio espaço-tempo.

A noção de que os ateus acreditam que tudo tenha surgido por acaso é também usada como crítica à teoria da evolução darwiniana. Como Richard Dawkins explica em seu maravilhoso livro, “A Ilusão de Deus”, isto representa uma grande falta de entendimento da teoria evolutiva. Apesar de não sabermos precisamente como os processos químicos da Terra jovem originaram a biologia, sabemos que a diversidade e a complexidade que vemos no mundo vivo não é um produto do mero acaso. Evolução é a combinação de mutações aleatórias e da seleção natural. Darwin chegou ao termo “seleção natural” em analogia ao termo “seleção artificial” usadas por criadores de gado. Em ambos os casos, seleção demonstra um efeito altamente não-aleatório no desenvolvimento de quaisquer espécies.



5) Ateísmo não tem conexão com a ciência.

Apesar de ser possível ser um cientista e ainda acreditar em Deus – alguns cientistas parecem conseguir isto –, não há dúvida alguma de que um envolvimento com o pensamento científico tende a corroer, e não a sustentar, a fé. Tomando a população americana como exemplo: A maioria das pesquisas mostra que cerca de 90% do público geral acreditam em um Deus pessoal; entretanto, 93% dos membros da Academia Nacional de Ciências não acreditam. Isto sugere que há poucos modos de pensamento menos apropriados para a fé religiosa do que a ciência.



6) Ateus são arrogantes.

Quando os cientistas não sabem alguma coisa – como por que o universo veio a existir ou como a primeira molécula auto-replicante se formou –, eles admitem. Na ciência, fingir saber coisas que não se sabe é uma falha muito grave. Mas isso é o sangue vital da religião. Uma das ironias monumentais do discurso religioso pode ser encontrado com freqüência em como as pessoas de fé se vangloriam sobre sua humildade, enquanto alegam saber de fatos sobre cosmologia, química e biologia que nenhum cientista conhece. Quando consideram questões sobre a natureza do cosmos, ateus tendem a buscar suas opiniões na ciência. Isso não é arrogância. É honestidade intelectual.



7) Ateus são fechados para a experiência espiritual.

Nada impede um ateu de experimentar o amor, o êxtase, o arrebatamento e o temor; ateus podem valorizar estas experiências e buscá-las regularmente. O que os ateus não tendem a fazer são afirmações injustificadas (e injustificáveis) sobre a natureza da realidade com base em tais experiências. Não há dúvida de que alguns cristãos mudaram suas vidas para melhor ao ler a Bíblia e rezar para Jesus. O que isso prova? Que certas disciplinas de atenção e códigos de conduta podem ter um efeito profundo na mente humana. Tais experiências provam que Jesus é o único salvador da humanidade? Nem mesmo remotamente – porque hindus, budistas, muçulmanos e até mesmo ateus vivenciam experiências similares regularmente.

Não há, na verdade, um único cristão na Terra que possa estar certo de que Jesus sequer usava uma barba, muito menos de que ele nasceu de uma virgem ou ressuscitou dos mortos. Este não é o tipo de alegação que experiências espirituais possam provar.



8) Ateus acreditam que não há nada além da vida e do conhecimento humano.

Ateus são livres para admitir os limites do conhecimento humano de uma maneira que nem os religiosos podem. É óbvio que nós não entendemos completamente o universo; mas é ainda mais óbvio que nem a Bíblia e nem o Corão demonstram o melhor conhecimento dele. Nós não sabemos se há vida complexa em algum outro lugar do cosmos, mas pode haver. E, se há, tais seres podem ter desenvolvido um conhecimento das leis naturais que vastamente excede o nosso. Ateus podem livremente imaginar tais possibilidades. Eles também podem admitir que se extraterrestres brilhantes existirem, o conteúdo da Bíblia e do Corão lhes será menos impressionante do que são para os humanos ateus.

Do ponto de vista ateu, as religiões do mundo banalizam completamente a real beleza e imensidão do universo. Não é preciso aceitar nada com base em provas insuficientes para fazer tal observação.



9) Ateus ignoram o fato de que as religiões são extremamente benéficas para a sociedade.

Aqueles que enfatizam os bons efeitos da religião nunca parecem perceber que tais efeitos falham em demonstrar a verdade de qualquer doutrina religiosa. É por isso que temos termos como “wishful thinking” e “auto-enganação”. Há uma profunda diferença entre uma ilusão consoladora e a verdade.

De qualquer maneira, os bons efeitos da religião podem ser certamente questionados. Na maioria das vezes, parece que as religiões dão péssimos motivos para se agir bem, quando temos bons motivos atualmente disponíveis. Pergunte a si mesmo: o que é mais moral? Ajudar os pobres por se preocupar com seus sofrimentos, ou ajudá-los porque acha que o criador do universo quer que você o faça e o recompensará por fazê-lo ou o punirá por não fazê-lo?



10) Ateísmo não fornece nenhuma base para a moralidade.

Se uma pessoa ainda não entendeu que a crueldade é errada, não descobrirá isso lendo a Bíblia ou o Corão – já que esses livros transbordam de celebrações da crueldade, tanto humana quanto divina. Não tiramos nossa moralidade da religião. Decidimos o que é bom recorrendo a intuições morais que são (até certo ponto) embutidas em nós e refinadas por milhares de anos de reflexão sobre as causas e possibilidades da felicidade humana.

Nós fizemos um progresso moral considerável ao longo dos anos, e não fizemos esse progresso lendo a Bíblia ou o Corão mais atentamente. Ambos os livros aceitam a prática de escravidão – e ainda assim seres humanos civilizados agora reconhecem que escravidão é uma abominação. Tudo que há de bom nas escrituras – como a regra de ouro, por exemplo – pode ser apreciado por seu valor ético, sem a crença de que isso nos tenha sido transmitido pelo criador do universo.